estava com os dentes apertados como quem corta com a boca o bife, a pele, a renda. marcava com as presas talhos nas paredes para lembrar do que já tinha esquecido. os dentes sempre trincados de tanto gritar, mas era calada que o tempo passava; a lentidão de quem nem sempre está aqui. o olho tremia sem função alguma e sabia o que tinha para ver. era quase uma confissão antecipada de alguma culpa que chegaria com o inverno. vozes e gargalhadas, barulho de obra, trânsito: uma trilha de outra manhã rangendo os dentes e sorrindo para fora enquanto esculhamba tudo para dentro. era quinta-feira e fazia falta um feriado.

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Escrever é uma forma de me esvaziar. E quando me falta a palavra, o vazio, pra mim, é tédio e amargura. É quando nada se acende; é um fim sem começo. Dessa vez, não. Agora é uma completude que me impede de escrever. Dessa vez, não há nada a tirar de dentro de modo que só sobre escuridão. É tão somente um sopro de silêncio que, original e simples, dança com o vento.

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cuspo na tua taça

como sinal de fraqueza

diante do que não se pode conter

a bebida destilada sufocando

a memória de uns dias

em que sequer

um de nós amanheceu

quem é capaz de lembrar

ou quem tem o direito de esquecer?

a poesia a estrofe o verso

um descuido e a fantasia

se petrifica na realidade

a ideia de que sobra vida

onde há cheiro de morte

o revólver a bala atira contra o peito

a (des)culpa como via

para ocultar os próprios desejos

a crença infalível sobre si

e sobre tudo

afinal como é possível conter

a força daquilo que se desconhece?

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Um vazio que se completa na oposta sensação de transbordar, como fosse essa chuva que nos despreza inundando tudo. É como perder, outra vez, alguma coisa que sempre nos faltou e, enfim, nem saber que algo é esse que se perdeu. A raiva triangulada com uma tristeza vertiginosa e essa esperança adocicada que só gera comoção. O tédio, o cansaço, a ideia carrancuda de que o tempo pode mesmo ser mensurado com pele, músculo, sangue e osso. A respiração ofegante contida numa risada embriagada, cheia de vontade de sobrevoar a costa e o milharal, como fosse uma ou outra ancestral bruxólica, daquelas mulheres que lavavam roupas nas fontes d'água e pilotavam vassouras sob o céu. É quase como abstinência: precisa resistir às primeiras horas e aos dias seguintes e deixar que tudo se mova lenta e ordinariamente. O sentimento racionalizado só radicaliza a fantasia. Viver é preciso, mesmo que já tenhamos chegado ao fim. Mudar a ideia, a rota e as certezas, mesmo que o medo seja a alavanca de uma vida inteira.

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