Observo daqui de dentro uma roseira, pequena e solitária, que insiste em brotar. Reconto, no meu silêncio, o tempo das flores. A roseira resiste ao calor, suporta o frio, e não descansa com o vento impiedoso deste lugar. Às vezes, parideira, floresce em mil pétalas numa manhã de primavera amena. Hoje não, porque a brutalidade desta ventania só lhe deixa viver em botão. Olho de novo, e brindado por um raio de sol, aquele botão, filho dileto, tenta vencer a hostilidade da estação, se abrindo, pequenino, para tudo que está por vir. Como a flor que brota no asfalto, a roseira deixa-se ver pela a cor da pequena rosa que insiste em brotar.

Escrever um comentário (0 Comentários)

A ideia incontestável e o desejo de aniquilação do outro é a trapaça do sentido da palavra. Talvez, porque se quer calar o horror que é ver-se tão de perto, lá onde as aparências já não conseguem esconder este demônio que também nos habita. Tripudia-se de uma moralidade para se estabelecer tão violentamente moralista em outra. 
 
Somos um eu cada vez mais solitário ou, mesmo que sejamos um nós, nada além de um conjunto encerrado em si mesmo que absolutiza verdades: uma vaidade que não nos leva a lugar nenhum. Assim como doer-se de si mesmo, enraivecer-se, culpar o mundo e se vitimizar é um processo inescapável, mas inútil se não seguimos em frente.
 
Quem sabe estejamos aqui para suportar o que perdemos e nos reinventarmos na aproximação, na singeleza das coisas que não podemos tocar, mas podemos dizer. E sem ter o que perder, se permitir a um aprendizado lento e incompleto, até que seja possível recuperar uma faísca embandeirada, um deleite inteligível para transformar tudo aquilo que arranca de nós a humanidade.
 
Escrever um comentário (0 Comentários)

Aflorar-se em girassóis na virtude do dia, e deixar-se ir como a poeira cintilante iluminada pelo sol da manhã. Um lar pantanoso ou jardim, leito caudaloso em que o corpo se entrega sem pena de si. Assumir-se como fenda por onde brota o desejo, a inveja e a flor. Deixar-se ver à luz de toda a ausência, crua como a falta daquilo que se desconhece. Entregar-se à simplicidade e ao original e, enfim, aceitar-se como um ente que sabe apenas que chora e ri. Ser não mais que um sopro de vida que dança na sutura do tempo. Completar-se no que está por vir.

Escrever um comentário (0 Comentários)

A delicadeza despretensiosa da flor que se submete a este mundo. A natureza sempre se recupera enquanto violamos a nós mesmos. Um ir e vir de vida em confronto com a morte; mil pedras pelo caminho. Gelo, vento, aridez, explosão. Um mundo inteiro sufocado por esta (des) humanidade que se apavora com o simples e o original. A delicadeza que expulsa tudo que é desimportante: existência inacabada e findável que se espalha na ignorância. Cavar um buraco, enterrar-se e retornar. Quase como voltar para o útero materno, mas cheio de culpa. Ter paz, enfim, nessa fissura; passagem que nos suga para o centro e nos reabilita. Ou a delicadeza violenta da flor que mantém-se viva, por gerações de pétalas, habitando este jardim de eternas desilusões onde nos assentamos. E, ao cabo de toda a força - e de toda a sujeição de nós mesmo -, não somos sequer uma gota no oceano; rastros de poeira abandonados pelo que ainda está por vir.

Escrever um comentário (0 Comentários)
Carregar mais