um imenso cansaço toma conta da cidade. as paredes não aguentam mais ouvir as lamúrias de tantos eus individualizados, preocupados com a invenção de si mesmos nas redes sociais. o concreto queima
escrevo bobagens enquanto espero dar a hora de sair penso em uma ou duas alternativas cuidar de plantas e estudar a vida das saúvas lembro das notícias que não param de chegar o fluxo do
eu entrego o corpo à experiência como um caminho por onde cruza uma linguagem. é uma maneira de me comunicar com o que é desconhecido. como se fosse uma mediunidade sem a mística. é contemplação,
"A loucura é o ápice da consciência". Foi uma frase que eu ouvi não sei de quem e sei lá se alguém escreveu isso mesmo. Mas, eu acho que a frase é boa porque favorece a palavra loucura. Dá a ela
Uma coisa que eu acho bem bonita (e inteligente) é quando aceitamos suportar linguagens que não são as nossas de conforto para que seja possível viabilizar uma
a guerra é incontestável e afeta todo mundo. atravessa o tempo, a história e o corpo perdido no entardecer chuvoso. as luzes e as buzinas, a escuridão mais à frente, o cheiro de pólvora: um campo
tanta coisa ficou por dizer que agora nem interessa mais. sobrou esse descontentamento silencioso fantasiado de alegria exagerada, quase furiosa. parece pouco, mas rir já é alguma coisa: uma
assaltar a memória até que só seja possível lembrar. tratamento de choque. mexe em tudo que tá dentro, empurra pra fora, ilumina com o sol, tira tudo isso da
o barulho entrou armado na sala e disparou contra o silêncio. brincou de tiro ao alvo com as coisas que não estavam ali, sobre a mesa. no corredor, um tiro certeiro na lâmpada há tempos apagada.
eu queria ser surfista, a mãe disse que não era profissão, aí queria ser dançarina, ela achou meio absurdo, eu queria ir embora com o circo, mas ao cabo de toda a controvérsia, eu não podia
desobstruir as artérias até que alguma coisa volte a correr pelas veias. oxigenar o corpo da angústia dos dias a fio sem pensar. levantar com as horas dos mais sedentos e dormir a noite toda.
um encontro pode nos mostrar muitas coisas. pode ser o momento inevitável de suportar algo tão familiar quanto misterioso. como um estranhamento que desarticula:
muitos pensadores já nos explicaram o conceito de correlação de forças. acho basilar pra pensar tudo na vida e não ser um pimpão.
mas, de certeza, é em casa que o aprendizado começa. a vó
o propósito da vida talvez não tenha a ver com descobri-lo, mas aceitá-lo como um desconhecido e suportá-lo enquanto ausência. essa é uma divagação que a gente já deve ter lido por aí. mas mesmo
o cotidiano é um fundo de quintal com casca de laranja enterrada e um cachorro papa-ovo deitado numa toalha de banho velha. uma tarde de sol de inverno enquanto o pai lê um livro de Bang-bang
Era dos poucos excelentes no jornalismo de esquerda e sindical. Do Brasil. Ativista. Sempre posicionado, sempre mantendo
o tom cinza da semana dá a exata gradação da tristeza desses dias. o vento rude desfolhando as árvores que contrastam com o céu do fim de tarde. a chuva incontornável que afoga a ínfima vontade
precisamos cuidar da nossa própria vida; este é o lema, de fato. o ser humano se individualizou tanto que, por certo, sempre tem mais com o que se preocupar quando o limite é o muro ou a parede
a vida é um cavalo de batalha intercalando piqueniques e festas de aniversário. é noite de tempestade esperando tardes ensolaradas e mergulhos no mar gelado. eu acho que ela pode ficar um pouco
há duas ou três semanas, comecei a retomar um lugar na rua. sempre fui dali. a praia, o carnaval, o protesto, o boteco, o jornalismo. sou andarilha e gosto de gente. viver trancafiada nunca foi
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