o riso é contingente da raiva

a raiva na contenção da tristeza

a tristeza contida na falta

que comprime o desejo.

um vulto torto

parado na esquina

eu posso ver aqui da janela. 

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Fui tola. Demorei pra ver o que, de fato, aconteceria. A ingenuidade, ao menos, não antecipou o terror vivido nos últimos quatro anos. Autoestima diluída em cada tom de ameaça. Todo dia, uma violência contra tudo que foi inevitável me tornar: jornalista, de esquerda, feminista. Trabalhar em sindicatos. Testemunhar o que sobrou deles. Morar sozinha com uma menina numa região da cidade onde a polícia se excede. Suspeitar do vizinho, do colega, da pessoa na fila do terminal. Crise econômica, perda de direitos trabalhistas, emergência sanitária. Manter o emprego, mas ficar sem trabalho. Medo de não ter pra onde ir.

Acredito na chance de um horizonte possível depois de tudo isso. Mas, não sem desconfiar.

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entre o olho e a mira

sempre tem mais uma camada

como fosse uma película de sal

enterrada tal qual o vidro na carne.

as dermes incrustadas umas nas outras

atravessadas pelo que (nem) sabem sobre si.

linha fosca margeando

um trajeto úmido

praquilo que não tinha a ver até agora.

músculo, sangue, nervos,

tédio, desilusão, brutalidade.

se aproximar de qualquer coisa

é o jeito mais óbvio de se implicar com isso.

a descoberta altera, mas repete, o ciclo da estranheza: o deleite da nudez. 

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desobstruir as artérias até que alguma coisa volte a correr pelas veias. oxigenar o corpo da angústia dos dias a fio sem pensar. levantar com as horas dos mais sedentos e dormir a noite toda. acenar com esperança para uma interlocução mais ou menos eloquente e capaz de suportar tanto ruído. caminhar sem ter onde chegar e se comover com isso. eu olho pra chuva como se não soubesse contar os passos no meio de uma travessia pantanosa; mas sei e até gosto. 

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