os dias, todos, podiam ser uma manhã de sábado. sol esfumaçado, gosto de café. meia dúzia de tragadas esverdeadas soprando ideias que esfumaçam ainda mais o amarelo do sol. pelas ruas, canções de gás e detergente que saltam de caminhões solitários. os dias todos manhã de sábado, revelando meninas que empinam pipas e meninos que choram no colo das mães. manhã de calor suave, com a pressa de chegar e a tarde toda pra sair.

as noites, todas, podiam ser uma noite de outono. bruminha leve e fria pingando na têmpora e nos joelhos. gosto de chiclete de menta jogando conversa fora. pelos becos, gargalhadas altas e olhares atentos a procurar vestígios depois de mais uma rodada de desesperanças. as noites todas, noite de outono, apresentando meninas que não têm medo e meninos que voltam chorosos para o colo das mães. noite de frio ameno, sem pressa de acabar e sem inverno a perseguir.

 

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a confusão é generalizada, não bastasse o descostume de viver junto, tudo é mediado; muito ruído interpretado no silêncio da solidão. ninguém sabe mais dizer quem fala ou pensa o quê. as ideias estão todas misturadas e o individualismo tornou as relações efêmeras. sentir então... quase todo mundo se perturbou, parece difícil encontrar quem não. exacerbação, conflito, apatia. um pouco de decadência e de pobreza de espírito. assim, todo mundo meio desanimado, contente com migalhas e sofrendo miseravelmente pela falta de conjunto. melhor deixar pra lá.

tudo é muito performático, as pessoas correm para lá e para cá, se manifestam brutalmente em 140 caracteres, mas estão angustiadas diante das plateias presenciais. ninguém é capaz de suportar qualquer coisa que surpreenda, ou aquilo que o destino reserva, sem recorrer a cautela de quem faz análises de conjuntura. viver dentro de si é mais que isso. essa parece ser a verdade de todo mundo no momento, desde que não seja preciso compartilhá-la. de fato, a verdade ninguém quer saber. mas, parece prescritivo - não fosse prescrever, de certo modo, um gesto autoritário - expressarmos algo que alguém chamou de dimensão da verdade: a manifestação daquilo que denota a realidade tal qual é lida por esse ou aquele sujeito. algo que nos aproxime um dos outros, que esgace as fronteiras do reconhecer-se entre si em vez de nos refutarmos o tempo todo. eu tenho até medo, mas eu gosto de gostar de gente.

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quando eu morrer, quero que todos chorem e ouçam fado. quero que escureçam a sala e dancem passos a esmo. quero que fumem cigarros e bebam conhaque. quando eu morrer, quero que todos riam de desespero, de dor curada na pior das bebedeiras. e antes da ressaca, madrugada que já sou morta, quero que todos balburdiem sobre o meu caixão para que eu não fique fadada ao silêncio eterno.

quando eu morrer, quero que todos riam e ouçam jazz. quero que abram as cortinas e dancem sincronizados. quero que fumem charutos e bebam vinho. quando eu morrer, quero que todos chorem de alívio, de contentamento regado às melhores bebedeiras. e antes da ressaca, amanhecer que já sou morta, quero que todos durmam sobre o meu caixão para que eu não fique fadada à memória eterna.

~2015 ou 2016~

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Por que tudo importa demais? Até uma suposta impressão: nunca o que verdadeiramente é. Como se olhar pelo olho do outro fosse possível. Ou como se fazer sentido mudasse alguma coisa de lugar. Com que eu me importo? Com as frases desconexas que eu disse ontem depois de umas doses? Quem se importa? A amnésia é geral e se intensifica em cada interação vazia que faz ruir as paredes dos solitários. O que é mesmo importante senão ouvir o barulho das pedras gemendo sob a sola dos sapatos? O vento soprando na encruzilhada, revolvendo o pó e entorpecendo naturalmente. Custo a acreditar que algo seja importante se não modifica uma ideia fixa. O movimento é o que permanece.

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